Prêmio Mulheres na Ciência: Regina Peralta Muniz Moreira

26/11/2021 13:37

Em 08 de setembro de 2021, a professora Regina de Fátima Peralta Muniz Moreira participava como avaliadora de uma banca de defesa de doutorado em Engenharia Química da Universidade de São Paulo (USP). Enquanto conversava, ainda informalmente, com outro docente que também fora escalado como avaliador do trabalho, ele lhe disse: “Regina, você não vai se lembrar, mas você me deu aula particular.” Luiz Mário de Matos Jorge, atualmente professor do Departamento de Engenharia Química da Universidade Estadual de Maringá (UEM), havia sido um de seus alunos nas aulas particulares que ela começou a oferecer quando ainda era adolescente. 

“Fiquei muito emocionada, porque eu realmente não me lembrava. Tive todo tipo de aluno nas aulas particulares e foi emocionante constatar que a educação realmente transforma. Ele era um menino, quando dei aulas particulares, e hoje é um professor universitário, uma pessoa que já viajou o mundo e que também está transformando outras vidas. Isso é muito legal”, relembra ela comovida. Regina, que é hoje professora do Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), foi uma das ganhadoras do Prêmio Mulheres na Ciência 2021, promovido pela Pró-Reitoria de Pesquisa (Propesq/UFSC). Ela foi vencedora da área de Ciências Exatas e da Terra na categoria Sênior, voltada a pesquisadoras que ingressaram na UFSC até o ano 2000.

A vida de Regina também foi, seguramente, transformada pela educação. Desde a infância, seus pais, Antonio e Marianna, estavam sempre estimulando ela e os irmãos a estudarem: “Eu era a tradicional nerd e nunca tive vergonha disso. Pelo contrário, sempre achei muito legal, porque isso era muito valorizado no meu ambiente familiar. Meus pais não tiveram a oportunidade de estudar e minha mãe passou a vida inteira falando de seu desejo, de sua vontade de estudar. Ela sempre soube que, através da educação, a mudança de vida é gigante.” Mas como uma mulher que nasceu no início do século XX, no interior do Paraná, a mãe de Regina não teve essa oportunidade. E foi exatamente por isso que Marianna fez questão de incentivar os filhos a percorrerem o caminho da educação.

“Nós somos em quatro irmãos, três mulheres e um homem. Então meus pais, que não tiveram estudo, acabaram sendo nossos ‘orientadores’ de mestrado, de doutorado, de pós-doc… Entendemos muito bem o valor da educação, aprendemos isso em casa.” Para a alegria dos pais, todos os quatro se tornaram professores universitários. A irmã mais nova de Regina, Rosely Aparecida Peralta, é professora no Departamento de Química da UFSC. A mais velha, Rosane Marina Peralta, é docente do Departamento de Bioquímica da Universidade Estadual de Maringá (UEM). O irmão, Antonio Carlos Peralta, foi professor de Engenharia Civil também da UEM.

“Eu trouxe isso pra minha vida, essa convicção de que a educação modifica a sociedade. Não existe outro caminho que seja tão transformador quanto a educação”, afirma Regina que, assim como seus pais, também fez questão de estimular seus dois filhos a prosseguirem nos estudos. Seu filho mais novo, Rodrigo Peralta Muniz Moreira, seguiu os seus passos: fez graduação em Engenharia Química na UFSC, cursou mestrado na UFRJ e acabou de concluir o doutorado na Loughborough University, na Inglaterra. O mais velho, Rafael Peralta Muniz Moreira, cursou Engenharia Mecânica, optou por trabalhar na indústria, mas recentemente retornou à academia para fazer um mestrado.

Trajetória

Regina conta que, quando jovem, não estava em seus planos ser professora universitária. Mas sem perceber, ela já estava traçando esse caminho. Ainda no ensino fundamental, quando tinha apenas 12 anos, começou a dar aulas particulares para crianças e adolescentes. Por se destacar entre as melhores alunas da turma, ela tinha sempre novos alunos e desenvolvia a atividade com prazer. Quando prestou vestibular, passou em primeiro lugar geral na UEM. Escolheu Engenharia Química movida pela vontade de fazer algo aplicável, prático.

Regina se formou aos 22 anos, já com casamento marcado e mudança programada para Florianópolis, para acompanhar o marido. Como ainda não conhecia a cidade e não tinha perspectiva de emprego, decidiu que faria mestrado na UFSC. Coincidentemente, naquele momento abriu um concurso para docente do curso de Engenharia Química, que havia sido recém-criado: “O curso não tinha formado nem a primeira turma ainda e estava com falta de professores. Eu ainda não planejava ser professora, mas como naquela época podíamos fazer concurso sem ter feito mestrado e doutorado, resolvi aproveitar a oportunidade.” Aprovada em todas as provas, ela ingressou simultaneamente no mestrado e na carreira docente. Logo nos seus primeiros meses na UFSC, em 1983, soube que este seria o caminho que seguiria profissionalmente: “Eu pensei: era aqui mesmo que eu deveria estar. Estou feliz, é isso o que quero fazer na minha vida.”

Regina fez o mestrado e doutorado no Programa de Pós-graduação em Química (PPGQ/UFSC), orientada por Juan Jacob Eduardo Humeres Allende. Ainda antes do doutorado, nasceram seus dois filhos. Tornar-se mãe foi, para ela, uma experiência extremamente gratificante e não comprometeu de forma alguma sua carreira como pesquisadora: “A primeira infância dos meus filhos foram anos extremamente felizes. Eles vinham comigo pra UFSC e tínhamos uma rotina muito bem planejada, com tudo em seu lugar. Eu nasci para ser mãe, por isso me sentia tão feliz. Esse período da minha vida foi muito bom.”

Em 1998, alguns anos depois de concluir o doutorado, ela partiu para sua primeira experiência como pesquisadora fora do país: um estágio pós-doutoral na Universidade do Porto, em Portugal. Foi acompanhada de seus dois filhos, que na altura tinham 9 e 11 anos. Seu supervisor de pós-doutorado foi o professor Alírio Egídio Rodrigues, reconhecido internacionalmente em sua área de atuação. “Minha experiência em Portugal foi muito boa. Estar lá, com um pesquisador conhecido no mundo inteiro, foi para mim um divisor de águas. Eu saí de uma posição de orientada e supervisionada para me tornar líder de um grupo de pesquisas, orientadora de mestrado e doutorado. Por isso o pós-doutorado foi tão importante para mim.”

O professor Alírio, segundo ela, lhe deu total liberdade, o que lhe permitiu expandir seus horizontes de pesquisa. “Depois dessa experiência no pós-doc, percebi que tínhamos que sair daqui, ir para outros lugares. No nosso laboratório, desde muito cedo, começamos a fazer propostas de projetos com outros países.” Seu grande parceiro de pesquisas sempre foi o professor Humberto Jorge José, que se aposentou em 2014. Até então, os dois dividiam a coordenação do Laboratório de Energia e Meio Ambiente (LEMA), vinculado ao Programa de Pós-graduação em Engenharia Química (PósENQ/UFSC). “Fizemos parcerias com a Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, Espanha, Portugal. Essas instituições estrangeiras nos ajudaram a ter mais visibilidade e nos levaram mais perto das fronteiras de conhecimento.”

Muitos de seus orientandos foram para esses países fazer estágios de pesquisa, doutorado sanduíche ou pós-doc. “Desde minha experiência em Portugal, comecei a incentivar muito meus alunos a também estudarem fora. Essas oportunidades abrem nossa mente e nos libertam dos nossos medos. Ir para fora nos mostra como temos muitas possibilidades de pesquisa. Podemos fazer o que fazem em qualquer outro país, desde que não nos intimidemos. Por isso sempre fiz tanta força para que todos os meus alunos de doutorado tivessem uma experiência fora do país. Como foi transformador para mim, eu achei e continuo achando que pode ser transformador para todas as pessoas.”

Um dos momentos mais marcantes de sua carreira ocorreu quando ela submeteu um de seus primeiros artigos como pesquisadora independente, assinado com Ticiane Sauer, primeira autora do trabalho e sua orientanda de mestrado. “O artigo era sobre fotocatálise, que é um tema pelo qual sou apaixonada. Nós o submetemos a um congresso da área e o presidente do comitê científico nos retornou com críticas que me deixaram muito chateada.” Mas em vez de se resignar, Regina decidiu responder-lhe refutando, minuciosamente, cada uma das críticas. “Eu realmente acreditava no que tínhamos feito. Então fiquei trabalhando até tarde da noite e fiz um artigo de revisão só para rebater tudo que ele dizia.”

Segundo Regina, o avaliador argumentava que determinado modelo matemático que ela utilizava não funcionava. Mas ele já havia sido testado em laboratório e ela sabia que dava certo. “Eu tinha proposto algo que ninguém no Brasil usava ainda. Daí lhe enviei uma resposta muito bem embasada cientificamente, com toda a literatura estrangeira que conhecia, de pesquisadores de renome, que já discutiam essa possibilidade.” Depois de rebater seus argumentos, o pesquisador lhe pediu desculpas e disse que iriam considerar o trabalho. “Eu falei então: ‘Não estou pedindo reconsideração, só estou explicando o meu ponto de vista.’” A essa altura, Regina já desistido de participar do congresso e decidido submeter o trabalho para uma revista científica.

O artigo Photocatalytic degradation of reactive dye on TiO2 slurry reactor foi então publicado, em 2002, no periódico inglês Journal of Photochemistry and Photobiology. E veio a ser seu artigo mais referenciado: em novembro de 2021, o trabalho já havia sido citado 432 vezes. “Esse foi um marco muito importante pra mim e estou sempre contando essa história para meus alunos. Eu uso como exemplo, porque já vi muita gente se intimidar quando recebe uma resposta negativa. E sei que não é fácil, isso mexe com nossa autoestima. Mas nossa melhor alternativa não é chorar, mas sim resistir a cada vez que a vida nos disser um ‘não’.”

Para Regina, as críticas são uma oportunidade de aprendizado. “Às vezes a crítica é dura, mas podemos encarar isso como uma chance de explicar melhor o que estamos propondo, de sermos mais convincentes. Pode ser que não tenhamos sido mesmo claros o suficiente, mas não devemos levar para o lado do pessoal. Todos nós temos falhas. Reconhecer isso nos torna mais fortes, mais valentes.”

Há cerca de cinco anos, após a aposentadoria de seu parceiro de pesquisa, Humberto Jorge José, Regina passou a desenvolver alguns projetos com suas duas irmãs, algo que não havia considerado até aquele momento. Coincidentemente, suas irmãs também estavam vivendo algo parecido. “Minha irmã Rosely Aparecida Peralta trabalhou a vida inteira com o professor Ademir Neves, que é uma referência nacional e internacional na Química. Ele também havia se aposentado recentemente. E o mesmo ocorreu com minha irmã Rosane Marina Peralta, que é professora da UEM. Então nós três começamos a trabalhar juntas.” Durante a pandemia, a afinidade entre elas se fortaleceu e hoje elas já têm vários trabalhos publicados em conjunto. “Cada uma tem o seu olhar para o mesmo problema, o mesmo assunto. Acho que temos ido bem.”

Apesar de seguir motivada para a pesquisa, Regina confessa que está desesperançosa com a atual conjuntura do país e a crescente desvalorização da educação. “Eu não queria sentir isso nem ter que admitir isso. Mas sinto que estamos vivemos um retrocesso, com muitas coisas andando para trás. Já estivemos muito melhor.” Em 2023, Regina completará 40 anos como docente da UFSC. No início da década de 1980, as condições de pesquisa eram muito precárias, mas isso não chegava a ser desestimulante: “Quando eu cheguei aqui, ainda estávamos realmente engatinhando. Eu fui a 15ª professora de um departamento que estava se formando. Um pouco antes, o curso esteve ameaçado de fechar por falta de professores. Era ainda um embrião, tudo estava começando. Mas eu e meus colegas éramos todos muito jovens e o que sobrava era energia.”

Apesar de todas as adversidades iniciais, aqueles jovens docentes estavam realmente dispostos a ‘fazer acontecer’. E toda essa dedicação gerou resultados: o curso de Engenharia Química da UFSC se tornou um dos mais conceituados do país, com um Programa de Pós-graduação Conceito 7 na CAPES. “Não tinha tempo ruim. Isso nos tornou um grupo de pesquisadores excepcionalmente fortes. De um curso de graduação que começou enfrentando dificuldades, criamos um doutorado em nível de excelência. E desde o início, quando ainda era bem menos comum, tínhamos essa visão de internacionalização.”

Para Regina, o que foi realmente crucial naquele momento foi algo que está em falta hoje: esperança. “O que tínhamos no início era muita esperança. Agora, o que eu sinto é que as mangueiras estão sendo esvaziadas, estranguladas. Estão literalmente fechando as torneiras e está ficando cada vez mais difícil ter uma perspectiva de que esse momento vai passar. Mas não queremos e não vamos desistir. Pelo contrário: vamos persistir até o limite. Ainda não sei qual será o caminho, só sei que teremos que encontrar uma saída”.

Daniela Caniçali/Jornalista da Agecom/UFSC

Fonte: Notícias UFSC