Prêmio Mulheres na Ciência: Ana Lúcia Severo Rodrigues

22/11/2021 10:52

Ao longo das últimas duas semanas, a Agência de Comunicação da Universidade Federal de Santa Catarina (Agecom/UFSC) tem publicado reportagens sobre as vencedoras do Prêmio Mulheres na Ciência 2021, promovido pela Pró-Reitoria de Pesquisa (Propesq). Na sétima matéria da série, conheça a trajetória e o trabalho de Ana Lúcia Severo Rodrigues, contemplada na Categoria  Sênior – voltada a docentes que ingressaram no quadro permanente da UFSC antes de 31 de dezembro de 2000 –, na área de Ciências da Vida.

Ana Lúcia é professora do Departamento de Bioquímica e dos programas de pós-graduação em Bioquímica e Neurociências e bolsista de produtividade em pesquisa nível 1B do CNPq. Coordenadora do grupo de pesquisa Neurobiologia da depressão, tem se dedicado a compreender os mecanismos bioquímicos e fisiológicos envolvidos nessa enfermidade e na regulação do humor, com estudos que podem colaborar com o desenvolvimento de novas possibilidades de tratamento e prevenção da doença.

Apesar de sua longa carreira dedicada à pesquisa e ao ensino (são quase 30 anos somente como professora na UFSC) e de sua extensa produção (mais de 200 artigos publicados, de 8 mil citações e de 50 alunos de mestrado e doutorado orientados), a docente recebeu com surpresa o anúncio da premiação: “Quando fiquei sabendo, acabou sendo, de certa forma, uma notícia muito impactante. Não estava exatamente esperando que fosse acontecer, porque a gente sabe que tem excelentes profissionais. Eu fiquei muito feliz, com certeza. É um reconhecimento da trajetória acadêmica e principalmente da dedicação que a gente tem à ciência e às atividades de pesquisa e de ensino”.

Para ela, prêmios como esse, voltados ao reconhecimento de mulheres cientistas, além de dar visibilidade aos trabalhos das pesquisadoras, podem servir de estímulo a outras meninas e mulheres. “Acaba sendo uma iniciativa que ajuda a promover a produção científica feminina e a atrair e incentivar jovens talentosas a também ingressarem no mundo da ciência. Sempre acho que têm muitas jovens que são interessadas pela pesquisa, mas, até pela pesquisa às vezes não ter tanta notoriedade, principalmente essa produção científica feminina, elas não se incentivam. E acho que tem muitas jovens que são curiosas, que são interessadas e que poderiam ter uma carreira científica de sucesso se as oportunidade forem dadas”, comenta.

Trajetória e conquistas compartilhadas

Foi durante a graduação em Farmácia, cursada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que Ana Lúcia decidiu a profissão que seguiria. A experiência como bolsista de iniciação científica foi crucial para que se fascinasse pela ciência e, mais especificamente, pela Bioquímica. “Eu sabia que gostava muito da área, mas quando comecei de fato a trabalhar no laboratório, eu me encantei, e aí decidi que queria seguir a carreira. Realmente me dediquei muito, eu adorava. Sempre gostei muito de trabalhar com pesquisa, mas quando iniciei, isso me deu a certeza de que realmente era a carreira que eu queria seguir. Me interessava muito essa questão de poder formular uma hipótese e, através de instrumentos, conseguir obter algumas respostas”, conta. Junto com a empolgação das descobertas científicas, pesou para a escolha o gosto pelo ensino, influenciada também pelo exemplo da mãe, que era professora.

Foto: arquivo pessoal

Ana Lúcia graduou-se em 1985 e, na sequência, cursou o Mestrado em Ciências Biológicas (Bioquímica) também na UFRGS e o doutorado em Ciências (Bioquímica) na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ingressou como professora na UFSC em 1992 e, desde então, tem se dedicado intensamente ao ensino e à pesquisa.

A docente recebeu reconhecimentos significativos pelo seu trabalho. Em 2020, por exemplo, foi apontada pela plataforma Open Box da Ciência como uma das 50 pesquisadoras protagonistas no país na área de Ciências Biológicas. Quando questionada, contudo, sobre os momentos mais marcantes de sua trajetória profissional, são as conquistas de seus alunos que lhe vêm à cabeça.

“Embora eu tenha um número muito elevado de artigos, de publicações, acabo ficando muito feliz, talvez até mais gratificada, com o fato de ter conseguido orientar muitas pessoas e de ver o reconhecimento que essas pessoas estão tendo. Tenho vários estudantes que foram premiados, inclusive estudantes que orientei no doutorado e ganharam o Prêmio  L’Oréal-Unesco-ABC para Mulheres na Ciência. Tenho três ex-alunas que foram contempladas com esse prêmio. Foi um momento que, para mim, também foi muito significativo, embora eu não estivesse sendo premiada naquele momento diretamente. Ver que pessoas que orientei estavam sendo reconhecidas pela competência foi um momento bem significativo para mim, de muita alegria.”

Uma das coisas que mais a entusiasmam na profissão é justamente essa oportunidade de participar da formação de novos profissionais. “Você vê que deu um pontapé inicial, mas que a coisa continua. Mesmo daqui a um tempo, quando me aposentar, vou deixar frutos nesse sentido de que muitas pessoas que formei continuam na área, muitas pessoas continuam apaixonadas pelo que fazem, e fazendo tão bem, trabalhando com tanta qualidade”, enfatiza. Apesar de já ter direito à aposentadoria desde 2017, Ana Lúcia garante que não pensa em parar tão cedo, por entender que ainda tem muito com o que contribuir.

Outro ponto que faz questão de destacar é que seu trabalho sempre foi feito de maneira coletiva. Tanto o apoio da Universidade como as diversas parcerias e colaborações que consolidou ao longo da carreira foram determinantes para o sucesso de seus projetos. “Claro que tem uma dedicação grande minha, sou extremamente envolvida no que faço e tenho paixão pelo meu trabalho. Então, trabalho muito, mas nada disso seria possível se não fossem todas essas pessoas e as condições que tive, as oportunidades que tive, que a instituição me ofereceu.”

Neurociência e depressão

Os estudos conduzidos pelo grupo de Ana Lúcia buscam contribuir para a compreensão de como se dá, em nosso corpo, o processo de modulação do humor. “A depressão é um transtorno psiquiátrico relacionado a um problema de ajuste do humor. Você tem um humor deprimido. Esses mecanismos de regulação do humor ainda não estão muito bem esclarecidos do ponto de vista bioquímico, fisiológico. Não se sabe muito bem ainda quais são as moléculas ou quais são os mecanismos bioquímicos que levam a essa regulação do humor”, explica. Um dos focos da equipe são as moléculas produzidas pelo nosso cérebro capazes de proporcionar efeitos antidepressivos. “Quando essas moléculas não estão bem ajustadas, estão em falta, por exemplo, a gente poderia ter depressão. Isso é uma das coisas que a gente está tentando entender”, conta a professora.

Pesquisas nessa área são essenciais para o desenvolvimento de novos tratamentos, por exemplo. Os antidepressivos que existem hoje no mercado possuem uma série de limitações. Além dos efeitos adversos, uma grande porcentagem dos indivíduos acometidos pela depressão não respondem aos tratamentos convencionais com os medicamentos disponíveis atualmente. Outra questão é que a maioria desses fármacos têm um tempo de resposta longo, levando de quatro a cinco semanas para fazerem efeito.

Esse último ponto é justamente um dos aspectos de destaque nos trabalhos de Ana Lúcia: o estudo de moléculas endógenas (produzidas pelo nosso próprio organismo) que proporcionem uma resposta antidepressiva rápida, semelhante à observada na cetamina – um medicamento capaz de promover um efeito terapêutico em questão de horas e que tem sido apontado como uma nova possibilidade de tratamento para casos de depressão severa. Ele, entretanto, apresenta alguns problemas, como alto custo e efeitos colaterais, que podem incluir até mesmo danos ao sistema nervoso em longo prazo.

“Nós passamos a testar hipóteses de que poderíamos ter moduladores endógenos promovendo essa resposta antidepressiva semelhante à cetamina, uma resposta rápida. A gente começou a se concentrar nesses aspectos e obteve resultados muito interessantes, muito promissores nesse sentido”, ressalta a docente, que também tem investido em investigações voltadas à prevenção, com estudos sobre mecanismos de resiliência ao estresse, um dos principais fatores que levam à depressão e à ansiedade.

“Nesse contexto, temos trabalhado muito com exercício físico em modelos animais. Estamos usando o efeito do exercício físico como uma estratégia de prevenção ao desenvolvimento da depressão e tentando entender como ele age. Mais recentemente, também temos estudado outros moduladores endógenos como estratégia de prevenção. É um estudo um pouco mais recente, estamos tendo os primeiros resultados de dois anos para cá.”

Os cortes de recursos financeiros e a alta do dólar, no entanto, têm dificultado a compra de materiais e o avanço das pesquisas. “Para você implantar novas metodologias, para avançar em alguns temas, precisa de recursos, e os recursos estão muito escassos atualmente. Isso está sendo um empecilho para a gente avançar em alguns aspectos. A gente está mal e mal conseguindo fazer o que já estava com as técnicas padronizadas no laboratório”, relata. Ainda assim, o grupo tem projeto de iniciar seus primeiros estudos com pessoas em breve. O trabalho fará parte da dissertação de uma estudante de mestrado e pretende avaliar a ocorrência de síndrome de burnout e ansiedade em professores durante a pandemia.

Prêmio Mulheres na Ciência

O Prêmio Mulheres na Ciência foi criado pela Propesq com o propósito de estimular, valorizar e dar visibilidade às pesquisadoras da UFSC. Também visa inspirar a comunidade científica interna e externa nas diferentes áreas do conhecimento e contribuir para diminuir a assimetria de gênero na ciência. Confira a lista com todas as premiadas.

 

Camila Raposo/Jornalista da Agecom/UFSC

Fonte: Notícias UFSC

Tags: Mulheres na Ciência 2021