Prêmio Mulheres na Ciência: Lucila Maria de Souza Campos

17/11/2021 10:13

O gosto pelas ciências exatas e um DNA para a educação levaram Lucila Maria de Souza Campos, professora do Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas, a interromper uma carreira no mercado para se dedicar a algo que já fazia seus olhos brilharem: a pesquisa em gestão ambiental e o ensino. Na pesquisa, consolidou parcerias internacionais e produziu artigos que são referência no mundo. Já no papel de formar, seguiu os passos do pai e da mãe – esta também um dos exemplos femininos marcantes na sua jornada. Ela foi vencedora da categoria plena, na área de Ciências Exatas e da Terra, do Prêmio Mulheres na Ciência 2021.

Pensar no que pode fazer diante das adversidades é um dos focos da carreira de uma mulher que, quando menina, já era muito estudiosa. Seu olhar para o espaço feminino na ciência está bastante associado a essa percepção – a de atingir resultados com empenho e a partir dos desafios estabelecidos. “Percebi que este é o foco das mulheres premiadas: o de buscar o que se pode fazer mesmo com as dificuldades”, comenta. “Nossa maior dificuldade é porque fazemos muitas coisas que a sociedade atribui a nós. Mas eu valorizo muito o tempo. E o tempo de qualidade é também mais produtivo”.

Na trajetória dela, esse é um caminho que se cruza também com uma determinação para uma ciência ainda em construção. “Ainda estou buscando o grande resultado de pesquisa, pois entendo isso como uma construção, não como algo que já está fechado”. Nessa busca gradativa e processual, o exemplo dos colegas e das colegas e a parceria com orientandos tem se mostrado um componente essencial da sua carreira. “Sempre me espelho neles”, sintetiza. A parceria com o companheiro, o também professor Maurício Nath Lopes, também é citada como um componente essencial da vida e da carreira.

Mas é ao olhar para as colegas que, como ela, também foram premiadas, que Lucila lembra que a UFSC tem sido um berço de mulheres pioneiras, que se destacam pelo trabalho e pela trajetória científica. Particularmente na área das Exatas e Engenharias, onde ela atua desde 2010, um ambiente ainda bastante povoado por homens, essas jornadas sempre chamaram a sua atenção – e também do colega Enzo Frazzon, que incentivou sua candidatura ao prêmio. “Não achei que ia ganhar, pois a qualidade dos currículos das mulheres inscritas era muito impressionante, o que me deixou muito feliz. Receber a notícia foi um reconhecimento por aquilo que tenho feito”.

A professora também acredita que a conquista traz uma responsabilidade, já que ter o nome destacado entre todas as mulheres pesquisadoras da UFSC pressupõe um compromisso para lutar para que o prêmio se torne uma prática institucional. “O prêmio é muito importante para a universidade. Temos que fazer com que continue e seja valorizado tanto dentro quanto fora da instituição”, pontua. “Esse reconhecimento não traz só visibilidade para os currículos, mas para histórias muito bonitas”.

Exatas mais humanas

Lucila começou sua trajetória na Engenharia de Produção na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Com pelo menos metade das colegas mulheres, ela lembra de não ter sentido o impacto da desproporção entre homens e mulheres, algo comum em outras áreas da Engenharia. Também recorda do acolhimento do campus e dos primeiros passos na pesquisa – foram três anos como bolsista de Iniciação Científica.

A opção pela Engenharia de Produção se deu pelo gosto pelas ciências exatas, mas também pela conexão com uma ciência que se baseia em pessoas, processos e na gestão. Foi nesse campo, aliás, que ela firmou a maior parte dos seus trabalhos relacionados ao meio ambiente e à busca por caminhos para transformar uma indústria que polui em uma indústria mais comprometida com a sociedade.

Ainda na graduação, Lucila já demonstrava um perfil para o trabalho científico. Foi durante a apresentação de um trabalho em um congresso que ela chamou a atenção do professor Neri dos Santos, hoje docente voluntário da UFSC. “Ele era chair de uma sessão e, depois que apresentei, me chamou e disse ‘menina, você tem jeito para a pesquisa’. Aquilo ficou na minha cabeça”, recorda.

O mestrado e o doutorado foram realizados na UFSC, entre 1994 e 2001, sempre buscando a perspectiva ambiental. A passagem pela Stanford University, no doutorado sanduíche, entretanto, fez com que decidisse encarar os desafios do mercado. “Lá, percebi que precisava de experiências práticas. Voltei, suspendi a bolsa e passei três anos em uma empresa”, recorda. A experiência, entretanto, nunca a afastou de dois grandes fundamentos da carreira: a pesquisa e a área ambiental.

Aperfeiçoar processos para diminuir perdas ambientais

A professora narra sua imersão na pesquisa como quem percorre do micro ao macro. Nas primeiras experiências acadêmicas, buscava respostas sobre os sistemas de gestão de uma empresa, na tentativa de identificar os impactos que suas práticas poderiam produzir no meio-ambiente. Depois, lançou o olhar para a cadeia de suprimentos, com o envolvimento dos fornecedores e também do cliente final. Mais tarde, ampliou a perspectiva para a economia circular – “uma forma de ver o sistema de produção sem ser sob uma ótica linear”, como ela própria define.

Hoje, ela é uma entre as 35% das mulheres na UFSC que integram o quadro de bolsistas de produtividade do CNPq. Considerada um marcador na trajetória científica, a bolsa é destinada a cientistas com alta produção e impacto. Em seu projeto mais recente, ela trabalha em busca do Índice de Circularidade de Resíduos Sólidos, ou seja, na tentativa de mensurar o quanto um resíduo pode circular e os custos e benefícios disso para uma empresa.

Lucila sempre se considerou uma cientista curiosa. Foi isso, aliás, que lhe atraiu para os estudos ambientais. Observadora, ela se deu conta de que, em sua época de formação, sequer havia disciplinas que discutissem a temática e a tratassem com a devida profundidade. “Escolhi esse tema de pesquisa em 1994 e, de lá para cá, o tema só cresce. É uma área que quanto mais estudo, mais me apaixono”.

Uma das conquistas mais recentes foi uma premiação obtida pela orientanda Lívia Moraes Marques Benvenutti com um artigo da tese A fleet-based well-to-wheel model for policy support: the brazilian socio-technical light-vehicles system transitions. O reconhecimento – um dos quatro obtidos somente em 2021 – ainda teve um sabor especial: foi a primeira vez, na história, que a Associação Nacional de Programas de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia de Produção selecionou o trabalho de uma cientista e uma orientadora mulheres como o melhor na categoria doutorado.

O trabalho integra o debate sobre a sustentabilidade ambiental de tecnologias para a mobilidade e traz também subsídios teóricos e empíricos para a definição de estratégias empresariais e para a formulação de políticas públicas para uma transição da matriz energética dos transportes. “Todo dia tento fazer algo que me dê orgulho, por isso às vezes é difícil destacar uma grande pesquisa ou um grande resultado. Tudo faz parte de uma construção”, aponta.

Neste processo de construção, a pesquisa aplicada traz uma série de desafios para o pensar e para o fazer de Lucila. “Nós temos resultados tão positivos, tão promissores que sempre me pergunto como podemos fazer para que as pesquisas sejam ainda mais úteis à sociedade”, reflete. A utilidade, nesse caso, estaria diretamente relacionada também ao campo no qual ela atua, que exige cada vez mais a busca de soluções concretas e inteligentes rumo à sustentabilidade. “Penso que escolhi uma área em que posso fazer o bem”, resume.

As parcerias internacionais são um dos caminhos mais naturais para uma pesquisadora comprometida com um problema de escala mundial. Uma das parcerias, realizada com a University of Ljubljana, da Eslovênia, reuniu nos últimos anos pesquisadores da UFSC e da Universidade Federal de Santa Maria sob a liderança de Lucila. Cientistas eslovenos chegaram até ela por conta de um dos seus artigos de grande repercussão internacional e, juntos, investiram em um projeto de análise comparativa das características e tendências dos Sistemas de Gestão Ambiental (SGA) de empresas dos dois países no setor da construção civil.

A pesquisa teve duração de três anos e envolveu uma intensa colaboração entre os países. Mas, ao longo da trajetória, a pesquisadora também somou outros parceiros ao redor do mundo – pelo menos duas das cartas de recomendação da candidatura ao prêmio Propesq são assinadas por pesquisadores britânicos. Foi lá que Lucila realizou sua pesquisa de pós-doutorado, que a levou a atuar como professora visitante na ​​University of London, uma das mais tradicionais do Reino Unido.

“Todas essas parcerias e possibilidades surgiram quando voltei para ser professora da UFSC, em 2010. Meus trabalhos melhoraram de qualidade e comecei a ser contactada por pesquisadores de vários lugares do mundo”, relembra. “Esse ganho de qualidade também foi possível porque a universidade está bem posicionada nos melhores rankings do mundo e tem uma importância essencial, além de ter excelentes profissionais e alunos no seu quadro”, completa.

Por isso, para Lucila, é difícil recuperar sua trajetória apenas a partir de uma perspectiva de gênero ou mesmo lançando o olhar para uma única grande pesquisa. No ponto de vista dela, cada pessoa – desde o pai e a mãe, inspiração como professores – até os colegas e alunos são parte de uma história ainda em construção, cujo melhor resultado científico está sempre por vir.

Prêmio Mulheres na Ciência

O Prêmio Mulheres na Ciência foi criado pela Propesq com o propósito de estimular, valorizar e dar visibilidade às pesquisadoras da UFSC. Também visa inspirar a comunidade científica interna e externa nas diferentes áreas do conhecimento e contribuir para diminuir a assimetria de gênero na ciência. Confira a lista com todas as premiadas.

Amanda Miranda/Jornalista da Agecom/UFSC

Fonte: Notícias UFSC

Tags: Mulheres na Ciência 2021