Prêmio Mulheres na Ciência: Christiane Fernandes Horn

08/11/2021 13:25

A trajetória e as pesquisas científicas de Christiane Fernandes Horn são o foco da primeira reportagem da série sobre as vencedoras do Prêmio Mulheres na Ciência 2021, promovido pela Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (Propesq/UFSC). A professora do Departamento de Química e coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Química Inorgânica Medicinal e Catálise foi a contemplada na área de Ciências Exatas e da Terra, Categoria Júnior – voltada às pesquisadoras que ingressaram no quadro permanente da UFSC após 31 de dezembro de 2013.

O prêmio reconhece a qualidade e a originalidade da produção científica de Christiane. Com pouco mais de dois anos e meio atuando como docente na UFSC, ela foi responsável pela implantação de projetos de pesquisa inovadores no Departamento de Química. Seus estudos, realizados em parceria com diferentes departamentos da Universidade e de outras instituições, envolvem a síntese de moléculas em laboratório e a análise de suas atividades biológicas, que incluem propriedades antioxidantes e a capacidade de combater bactérias, protozoários e até o desenvolvimento de tumores. Os trabalhos já lhe renderam o depósito de nove pedidos de patente e podem, futuramente, colaborar para o desenvolvimento de novos medicamentos e possibilidades de tratamento para uma série de doenças.

É importante ressaltar que os avanços científicos são sempre fruto de muito esforço e investimento. A trajetória e a produção de Christiane não são exceção. “Eu trabalho nessa linha já tem bastante tempo. Comecei nessa linha em 2003, praticamente, e foi a área da minha formação, da minha iniciação [científica], do meu mestrado, e isso se solidificou no doutorado”, afirma a docente. 

Carreira acadêmica

Foi durante a graduação, ao apresentar um trabalho no congresso da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) de 1992, que o mundo da ciência se abriu para ela: “Vi pessoas de outros lugares, fazendo outras coisas que eu desconhecia, e aí deu aquele estalo: eu falei ‘ah, eu acho que é isso que vou querer fazer’”. Em 1994, formou-se no Bacharelado em Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e logo ingressou no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Química da UFSC, onde também, na sequência, fez seu doutorado.

Entre 2002 e 2003, realizou pós-doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, de 2003 a 2018, foi professora da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Lá, criou e consolidou o Grupo de Pesquisa em Química de Coordenação e Bioinorgânica. Nesse meio tempo, fez ainda dois pós-doutorados: na Texas A&M University (EUA) e na University of Queensland (Austrália). Em fevereiro de 2019, voltou à UFSC, dessa vez como professora.

Christiane com o aluno de doutorado Lucas Brandalise Menezes. Foto: arquivo pessoal

Nem tudo foi planejado. O percurso envolveu muita capacidade de adaptação – o que, segundo ela, é uma característica essencial para se trabalhar com ciência no Brasil. “A gente foi fazendo o que aparecia, porque não dá para você dizer ‘eu quero isso ou aquilo’. O momento do país, tudo isso acaba mudando um pouco seus planos. Mas, em geral, eu consegui me dedicar sempre à pesquisa.”

Ao terminar o doutorado, por exemplo, devido à suspensão temporária de concursos públicos pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, buscou a bolsa de pós-doutorado e, durante seu período na UFRJ, mudou totalmente sua linha de pesquisa – retomada pouco depois, ao ingressar na UENF. O contexto atual, marcado pelos sucessivos cortes no orçamento destinado à ciência, também tem exigido ajustes.

“Você tenta levar para o seu lado, mas às vezes não consegue. A gente trabalha muito com financiamento, e às vezes você não tem dinheiro para tocar a pesquisa que quer fazer. Por exemplo, eu tenho uma linha de pesquisa em câncer e não consigo mais trabalhar com isso porque não tenho verba. Então, a gente vai para outras coisas”, destaca.

“No momento, não tenho nenhum tipo de recurso financeiro, tive que parar com trabalhos que demandavam muito dinheiro. Por exemplo, a parte de antitumoral requer kits que são comprados fora do país, então agora, com a alta do dólar, é praticamente impossível tocar esse tipo de pesquisa. Tive que novamente virar o barco para o lado que a gente conseguisse remar. Então, passei a procurar novos colaboradores”, adiciona a pesquisadora.

Química inorgânica medicinal

Christiane com a mestranda Bruna Segat e o doutorando Samuel de Macedo Rocha. Foto: arquivo pessoal

Atualmente, Christiane tem se dedicado principalmente a dois projetos de pesquisa. Um deles, desenvolvido em parceria com a professora do Departamento de Análises Clínicas da UFSC Karin Silva Caumo, visa ao tratamento da ceratite amebiana – uma infecção na córnea, causada por um protozoário e que não tem cura, podendo levar à cegueira. Os resultados iniciais são promissores. Os testes em laboratório indicam que o composto desenvolvido pela equipe consegue matar o protozoário tanto em sua fase ativa quanto na forma de cisto, quando ele fica envolvido por uma espécie de casca resistente que o protege de condições desfavoráveis (incluindo os efeitos de medicações).

“Alguns medicamentos não conseguem matar [o protozoário], eles só dão uma reduzida na quantidade, ou às vezes inativam”, explica Christiane. “A gente já fez uma patente desse trabalho com a ceratite e está avançando bem positivamente no sentido de talvez obter uma solução de limpeza para lente de contato ou uma formulação para um novo medicamento. Ainda é bastante trabalhoso chegar nesse produto final, mas a gente está nesse caminho”, complementa. O composto, aliás, já foi objeto de outra patente de seu grupo, mas, neste caso, o objetivo foi registrar sua aplicação antitumoral.

O segundo projeto é realizado em colaboração com a professora do Departamento de Bioquímica da UFSC Alexandra Susana Latini e envolve a utilização de compostos produzidos pela equipe para a remediação do estresse oxidativo – desequilíbrio entre os radicais livres e a defesa antioxidante do corpo, que pode levar a uma série de doenças. O grupo trabalha “com esses modelos em que você tem um desbalanceamento, muita produção de espécies reativas. E esses compostos aparentemente, pelos resultados que estamos tendo, atuam minimizando essa situação”, esclarece Christiane. O objetivo é desenvolver um novo medicamento que possa colaborar para o tratamento de doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer. O estudo, contudo, ainda está em fase inicial – começou em 2019 e foi interrompido no ano seguinte, em função da pandemia de covid-19, sendo retomado em 2021.

Mulheres na ciência

O Prêmio Mulheres na Ciência foi criado pela Propesq com o propósito de estimular, valorizar e dar visibilidade às pesquisadoras da UFSC. Também visa inspirar a comunidade científica interna e externa nas diferentes áreas do conhecimento e contribuir para diminuir a assimetria de gênero na ciência.

Christiane com suas alunas de graduação e bolsistas de iniciação científica Nathália Nardi e Ana Paula Cardoso. Foto: arquivo pessoal

Para Christiane, concursos como esse, além de darem visibilidade às cientistas e mostrarem à sociedade que há mulheres fazendo pesquisas de qualidade, colocam em evidência as desigualdades existentes na área. “Isso é uma coisa importante, porque culturalmente, a gente está sempre um degrau abaixo. Ou vários. Então, mesmo que a gente faça, não aparece da mesma forma que aparece para os homens. A cobrança para as mulheres é maior, as oportunidade são menores, a dificuldade para conciliar todas as coisas e conseguir ter uma carreira, acho que para mulher é muito mais difícil. Mas mesmo assim há mulheres fazendo.”

Ela conta que, quando entrou na graduação, no início dos anos 90, eram raras as referências de mulheres cientistas – o que foi mudando gradativamente, principalmente com o ingresso de mais professoras nas universidades ao longo do tempo. Apesar disso, nunca teve oportunidades negadas em função de seu gênero. “Acho que a gente sente mais no dia a dia”, comenta. São fatores como “aqueles beliscõezinhos que a gente leva”, as pequenas (e nem sempre sutis) ações machistas do cotidiano, que chateiam e incomodam. E também outras questões que comprometem de maneira mais direta a dedicação ao trabalho e o desenvolvimento da carreira, como a carga de trabalho doméstico mais elevada e a maior responsabilização pelo cuidado dos filhos.

“Nosso grande problema é conciliar tudo. Digo porque tenho dois filhos. É muita pressão para você fazer tudo. Realmente, se você for contabilizar o tempo que se dedica às atividades domésticas, está longe de ser paritário, você faz muito mais coisas. De algum lado esse tempo tem que sair, então você precisa justamente dormir menos, se distrair menos com as coisas, ser mais focado, mais objetivo”, relata, enfatizando a necessidade de políticas públicas que contemplem essas questões. “Infelizmente, a carga em cima da mulher é muito maior. Ela tem muito mais responsabilidade familiar. Esse é um dos pontos, não acho que seja um ponto negativo, mas é um ponto que atrapalha. Enquanto não tivermos políticas favoráveis, a gente vai ter esse quadro desigual sempre.”

Camila Raposo/Jornalista da Agecom/UFSC

Fonte: Notícias UFSC

Tags: Mulheres na Ciência 2021